A Batalha dos Guararapes
Descrição da batalha
Posições iniciais dos beligerantes no dia da batalha
- Dos holandeses
Os holandeses esperavam que os luso-brasileiros se apresentassem pelo norte, através do Boqueirão; foram, porém, surpreendidos com o adversário surgindo ao sul e retaguarda de seu dispositivo inicial.
Esta surpresa frustra por completo o combate que tinham planejado e sonhado durante longos meses no Recife e, repentinamente, vêem-se diante de uma conduta de combate.
Surpresos, reajustam seu dispositivo, mudando a frente do norte para o sul no Boqueirão e ao longo da crista do monte onde se encontra atualmente a Igreja N. S. dos Prazeres.
Rebateram alguns regimentos em posição no Oitizeiro, próximo do Boqueirão, para o monte da Igreja N. S. dos Prazeres. Ao que parece, ficou no Oitizeiro uma parte da reserva.
Ao longo deste linha, articularam seis regimentos (ver esboço nº 11).
Apoiaram o flanco leste nos alagados e o flanco oeste no atual movimento topográfico onde se ergue, hoje, a Igreja Nossa Senhora dos Prazeres.
Os holandeses passam toda a manhã aguardando o ataque. O moral dos seus soldados começou declinar, por estarem expostos, em cima do monte da atual Igreja dos Prazeres, ao calor excessivo e sede mortificante, em razão da ausência de sombra e água nas partes superiores do dito monte.
A esta situação, eles não resistiriam por longo tempo; era preciso fazer algo.
Convocado um conselho de guerra, são discutidas e analisadas três linhas de ação.
(Interpretação do autor)
Linha de ação nº 1
- Retrair à noite e em silêncio, rumando para Afogados, através da Várzea, fazendo toda a sorte de estragos nos domínios luso-brasileiros.
Contra esta linha de ação, argumentou-se: "A retirada à noite deporia contra a honra e reputação do Exército Expedicionário, porque seria interpretada como medo (Cel Brinck).
Linha de ação nº 2
- Descer os montes durante o dia e retrair para a Leiteria (Boa Viagem) onde passariam a noite.
Linha de ação nº 3
- Prosseguir para o Cabo Santo Agostinho (zona de retaguarda brasileira).
Ao êxito desta linha de ação, antepunham-se as diversas fortificações existentes na direção de ação e, principalmente, a travessia do rio Jaboatão, que estava fortificado.
Em caso de êxito, não teriam condições de manter a linha de suprimentos, por mar, através da Barra das Jangadas (rio Jaboatão).
No Conselho de Guerra de que participaram todos os coronéis, tenentes-coronéis e majores, ficou decidido pela adoção da linha de ação nº 2: retraimento diurno para a Leiteria.
Comentários
O Cel Brinck havia saído à campanha, baseado em informações recebidas através de dois italianos e alguns negros fugidos do Arraial. Informaram eles que o Exército Restaurador estava fraco, por ter Barreto de Menezes dispensado muitos soldados por motivo de economia para irem cuidar de suas plantações (Lopes Santiago).
Sabedor Barreto de Menezes , através de sua rede de espionagem no Recife, da intenção holandesa, mandou pressurosamente reunir o máximo de soldados.
No Recife sitiado, gatos e cachorros tornaram-se apreciados (NIEUHOF) e os oficiais foram obrigados a apanhar caranguejos nos mangues. Assim também a situação de alimentos no Arraial tornara-se crítica, obrigando o Exército Restaurador a rigorosas medidas de economia.
Barreto de Menezes foi informado da marcha flamenga pelo Cap Francisco Barreiros, que comandava um posto próximo aos Guararapes.
A esquadra holandesa teve diminuída sua capacidade estratégica naval, desde a 1ª Batalha, por falta de aguadas e suprimentos. Isto permitiu que os luso-brasileiros, partindo do Rio de Janeiro, ao comando de Salvador de Sá, cooperassem na libertação de Angola já há sete anos nas mãos da Holanda, e sua principal fonte de braços escravos para o Brasil.
- Dos luso-brasileiros
De posse das informações fornecidas pelas patrulhas que se lançaram sobre o inimigo na noite de 18 para 19, e mais, as conseguidas na manhã de 19, após um estudo de situação em Conselho de Guerra, dão início à tomada de dispositivo.
Ocuparam posições, ao que parece, camuflados nos pântanos situados a SE dos Guararapes e matas abertas situadas ao S e SO de ditos montes.
Nesta situação, acompanham de perto e, atentamente, a todos os movimentos do inimigo.
O grosso de suas forças, ao comando de Fernandes Vieira, é colocado camuflado nos alagados, frente para o Boqueirão, e outro grupamento importante, ao comando de Vidal de Negreiros, é disposto no interior de matas abertas à frente e ao lado do monte em que se ergue a atual Igreja dos Prazeres, onde os holandeses haviam colocados duas peças de artilharia em posição.
Entre os extremos do dispositivo, camuflados nos alagados e matas abertas, foram colocados os terços comandados por Diogo Camarão e Figueiroa.
Isto é o que é permitido concluir dos relatórios da época e análise da batalha.
É possível que no interior dos alagados existissem várias restingas de mata como a que descreveu Lopes Santiago na 1ª Batalha, e que formava o Boqueirão do lado do mar.
INÍCIO DO RETRAIMENTO HOLANDÊS
Movimentos iniciais
a) Dos holandeses
Após decisão de retraírem para o Recife, tomada pelo Conselho de Guerra Holandês, às três horas da tarde, dão inicio à mudança de dispositivo.
O Regimento de Carpenter, em boa ordem, sai de posição e forma no Boqueirão com a frente para o Recife.
À sua retaguarda, forma a artilharia, protegida pelos flancos, por duas companhias de fuzileiros pertencentes ao Regimento do coronel Brinck.
Esta artilharia reagiria sob o comando do almirante Van Gielissen. Postada no Boqueirão, fez grandes estragos nos nossos até ser silenciada, e Van Gielissen morrer abraçado ao canhão.
A artilharia foi silenciada por tropas de Fernandes Vieira (Lopes Santiago).
Logo a seguir, entra na coluna de marcha o próprio Regimento Brinck.
Assim disposto, este grupamento de marcha iniciou o movimento.
Enquanto isso, os regimentos do Tenente General Von Schkoppe, ao comando do Tenente Coronel Claes e o de Hauthyn, saindo de posição, marchavam sobre o monte Oitizeiro para integrar a coluna de marcha no Boqueirão e constituir a retaguarda em condições de transformar-se em Corpo de Batalha, em caso de ataque inimigo.
Os regimentos de Van der Branden e de Van Elst, em posição no monte da atual Igreja Nossa Senhora dos Prazeres, tinham por missão, tão logo a coluna principal alcançasse distância de segurança, retraírem, retardando o inimigo, sucessivamente, através dos montes Oitizeiro e Telégrafo (atual), até serem acolhidos pela retaguarda da coluna em marcha.
b) Dos luso-brasileiros
De suas posições camufladas nos alagados e matas abertas ao sul dos Guararapes, acompanham atentamente a movimentação holandesa, à procura do momento oportuno para o ataque. O capitão Franca foi encarregado de avisar o momento exato.
Este momento surgiu ao perceberem que a coluna de marcha no Boqueirão já havia abandonado este importante acidente capital, ao mesmo tempo em que os regimentos de Von Schkoppe e de Hauthyn marchavam na crista do monte Oitizeiro, em direção à entrada norte do Boqueirão, para formarem a retaguarda.
ATAQUE LUSO-BRASILEIRO
Caracterizada a fraqueza do dispositivo inimigo, dois regimentos na defesa e os restantes em deslocamento, o Mestre de Campo Francisco Barreto de Menezes ordenou o ataque, que seria conduzido até o final por iniciativa de seus comandantes subordinados, dentro de um quadro de aproveitamento de êxito, seguido de tenaz perseguição.
DESENVOLVIMENTO DA BATALHA E FIM DE BATALHA
Ao Mestre de Campo Fernandes Vieira coube, com rapidez ocupar o Boqueirão abandonado e combater a retaguarda do regimento do Cel Brinck, que tentou recuperá-lo. Nesta ocasião, os holandeses eram apoiados pela artilharia de Van Gielissen.
Comandando 800 homens de seu Terço, Fernandes Vieira atacou o inimigo, causando-lhe pesadas perdas. Lutaria cerca de três horas, na saída do Boqueirão, no local onde hoje situa-se a fábrica Verlon, com os regimentos Brinck e Carpenter, estes apoiados pela artilharia de Gielissen.
Coube a Henrique Dias atacar o Regimento do Tenente General Von Schkoppe, então comandado por Claes. Ao perceber o ataque, este tentou recuperar o Boqueirão abandonado.
Com a impetuosidade do ataque de Henrique Dias, aquele regimento foi obrigado a recuar para o monte Oitizeiro e muitos de seus integrantes começaram a fugir, num prenúncio de grande confusão.
Pressionado com violência e em meio à completa desordem, referido regimento foi recalcado para a entrada norte do Boqueirão, misturando-se aos regimentos de Carpenter e de Brinck.
Coube a Diogo Camarão acometer o Regimento de Hauthyn, em deslocamento sobre o monte Oitizeiro.
O Regimento Hauthyn avançou sobre Diogo Camarão, após largar seus mosquetes e utilizar lanças, procurando assim anular a eficiência das espadas dos patriotas (lanças = alabardas, partazanas).
Diogo Camarão foi tirado da dificuldade em que se encontrava ao ser socorrido pela cavalaria que, provavelmente, lhe enviou Vidal de Negreiros.
A cavalaria atacou o Regimento Hauthyn e, após anular o efeito das lanças e chuços por eles usados, feriu o Cel Hauthyn, que foi obrigado a retrair sobre o monte Oitizeiro com seu regimento em desordem e em fuga. Assim, acossado por Diogo Camarão, juntou-se aos demais regimentos holandeses na entrada norte do Boqueirão.
A Figueiroa coube atacar o Regimento de Van der Branden, em posição na cota gêmea daquela onde se ergue a atual Igreja dos Prazeres (local do monumento ao Gen Mascarenhas de Morais, erigido em 1971).
Em combinação com esta ação, coube ao Sargento-Mor Antônio Dia Cardoso, o mestre das emboscadas, atacar o Regimento de Van Elst, pela retaguarda, numa emboscada.
Para isto, o bravo Dias Cardoso dispôs de quatro troços do Terço de Fernandes Vieira, do qual era Sargento-Mor. Estas tropas eram compostas presumivelmente de 550 homens, pois Fernandes Vieira ficara com 800 homens.
O Regimento de Van der Branden, ante a ameaça de cerco, foi obrigado a abandonar sua excelente posição e retrair, na mais completa desordem e confusão, para a garganta norte do Boqueirão.
Perseguido de perto por Vidal de Negreiros, Dias Cardoso e pela cavalaria dos capitães Antônio Silva e Manoel de Araújo, o Regimento de Van Elst foi o que mais baixas sofreu.
Para a garganta norte do Boqueirão, onde hoje (1971) se situa a fábrica Verlon, convergiram na mais completa desordem todos os regimentos holandeses (interpretação do autor).
FINAL DA BATALHA
Na entrada norte o Boqueirão, teve fim a batalha. Os holandeses começaram a retirar-se para o Recife, sendo perseguidos por fortes elementos luso-brasileiros até a porta da cidade.
Após três horas de intenso combate em que percorreu grande distância, extenuado pelo grande esforço despendido, o grosso luso-brasileiro entregou-se ao recolhimento dos despojos de guerra abandonados pelos holandeses.
E sobre esta maiúscula vitória, assim escreveu o então Major Souza Júnior, em Do Recôncavo aos Guararapes: "Mais uma vez os patriotas, inferiores em número, mas superiores como combatentes, derrotaram esmagadoramente os soldados de um dos melhores exércitos da Europa, da primeira metade do século XVII".
O testemunho holandês, abaixo transcrito, dará ao leitor uma idéia da violência do ataque e os momentos dramáticos vividos pelos holandeses em debandada geral, perseguidos pelos luso-brasileiros.
CONFUSÃO, DESORDEM, PÂNICO E DESERÇÃO
"O Cel Claes, que comandava o Regimento do Tenente General (Schkoppe ausente da batalha) e o Cel Hauthyn, ao serem atacados, tentam reconquistar o Boqueirão abandonado".
"Tiveram que recuar para o monte (Oitizeiro) por causa da excessiva força do inimigo, que veio com tanta impetuosidade sobre os nossos, que nossas tropas começaram a fugir e acharam-se logo na maior confusão, a tal ponto que nem palavras nem força puderam retê-las, apesar de todos os esforços dos oficiais e do abaixo assinado...
"As nossas tropas, entregues à desordem, à deserção e à confusão, dispersaram-se aqui e ali, por diversos caminhos em direção ao mato e ao rio...
"Muitos soldados ficaram no caminho por causa da fadiga e esgotamento, e o inimigo, em perseguição ao nosso exército em desordem, encontrando estes desgraçados, matou-os sem quartel ...
"A consternação e o pânico entre os nossos foi tão grande que, se o inimigo, ao invés de entregar-se ao saque, como provavelmente o fez, tivesse preferido continuar a perseguição, é indubitavelmente certo que o resto dos nossos se teria deixado matar e massacrar sem fazer a mínima resistência, porque fugiam sem voltar os olhos." (o grifo é nosso ).
(Relatório de Michael Van Goch, participante da Batalha, feito em 22 fev. 1649, ao Conselho Holandês do Recife)
Este documento é a melhor fonte de reconstituição da 2ª Batalha, junto com o depoimento de Lopes Santiago. A sua tradução encontra-se na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
Sobre o que foi a batalha, cumpre destacar um trecho de Lopes Santiago:
"Aqui estavam uns clamando e implorando com humildes rogos misericórdia aos vencedores, ali se ouvia a turba dos que pediam bom quartel, em outra parte, em seu idioma dos que mal articulado com as ânsias da morte, queixavam-se de sua adversa fortuna, e muitos entre os mortos, fingindo-se que o estavam, queriam ainda dilatar a breve vida. Finalmente, infinitos precipitados, bem desejavam naquele apertado passo, outras asas de Ícaro e Dédalo, para voarem e não se fazerem pedaços naqueles precipícios e penhascos, correndo copiosa inundação de sangue por todos aqueles montes que era um espetáculo admirável".